Por que se indigna o jornalista da SIC José Gomes Ferreira
com a presença do primeiro-ministro na Comissão de Honra de Luís Filipe Vieira
e nada disse sobre a sua participação em iniciativas do BES em estâncias de
esqui enquanto jornalista de economia no ativo?
(texto de
António Galamba, 14/09/2020)
Para que fique claro, sou benfiquista e
apoio a reeleição de Luís Filipe Vieira como Presidente do Sport Lisboa e
Benfica. Não exerço cargos públicos há 9 anos e partidários há 6 anos, mas se
os desempenhasse em nada alteraria as razões da participação, porque nada
tolheria os critérios de pensamento e de ação em funções públicas.
Em Portugal instituiu-se que a ética da
República é o que está na Lei do Estado de Direito Democrático, em que as
subversões mediáticas e as geometrias variáveis dos interesses fazem com que
cada vez mais sejam colocados em causa os direitos, liberdades e garantias.
Demasiadas vezes se verificam situações
de duvidosa legalidade, de manifesta falta de senso ou de nebulosa aparência
que são ignoradas ou conformadas pela anuência pública, por contraste com
outras que são geradoras de indignação e comoção quase nacional. Estas são o
momento da emergência dos moralistas da República, que nos entretantos sossegam
com parte dos acontecimentos e indignam-se com outros, sem que seja inteligível
o quadro legal ou o critério aplicado para fundamentar a diferenciação.
Por que se indigna o jornalista da SIC
José Gomes Ferreira com a presença do primeiro-ministro na Comissão de Honra de
Luís Filipe Vieira e nada disse sobre a sua participação em iniciativas do BES
em estâncias de esqui enquanto jornalista de economia no ativo?
Ou sobre a lista dos jornalistas
avençados pelo saco azul do GES que o grupo Impresa
e a classe jornalística protege para que não se saibam quais os nomes dos que
recebiam dinheiro de Ricardo Salgado enquanto nos “informavam” sobre a atualidade económica?
Por que se crispam tantos que nada
disseram sobre as listas do Conselho Superior do FC Porto ou dos órgãos do
Sporting Clube de Portugal, com autarcas e protagonistas do sistema judicial,
sobre as nebulosas da ação governativa da atualidade e do passado ou até sobre
as proximidades do atual e do anterior Presidente da República ao universo bancário
problemático?
Por que se agitam alguns com tantos
telhados de vidro que a memória traz à liça como se pudessem ser curadores de
uma ética, de uma exigência e de um senso que não praticaram em momento
próprio, como é bom de lembrar ao Bloco de Esquerda com o caso Ricardo Robles e
a tantos outros que, tendo falado, poderiam ser avivados da memória das suas
ações e proximidades com o histórico de quase três décadas de acompanhamento da
atualidade?
A resposta é simples.
Porque é o Benfica e é Luís Filipe Vieira.
Porque é arguido, dizem.
Sim, como centenas de portugueses com
funções públicas, quantas vezes condenados nas notícias plantadas na imprensa
pela promiscuidade entre a justiça e os media e absolvidos em julgamento.
Em Portugal, num Estado de Direito Democrático,
a presunção de inocência deixou de existir. É uma ficção, atropelada pela
violação do segredo de justiça.
Uma justiça que faz alardo da sua ação na
investigação seletiva de situações em função de dinâmicas que escapam aos
princípios do Estado de Direito Democrático.
É assim que surgem alvos preferenciais e
outros são negligenciados ou que, em momentos chave surgem impulsos orientados
para determinados fins.
Em geral, com eleições autárquicas em
2021, entrámos na fase das denúncias anónimas orientadas para as Autarquias
Locais e para os seus protagonistas. O padrão de anos anteriores, de
instrumentalização da justiça, diz-nos que as ditas anónimas são enviadas agora
para gerar ações, buscas e afins durante o primeiro semestre de 2021.
É assim que funciona. Há demasiados
calendários e entorses a tolher a justiça em Portugal.
Os entorses são tão claros que alguns
parecem não ter percebido o essencial. O foco em Luís Filipe Vieira é só o
pretexto para chegar ao Benfica, não mudaria com qualquer mudança de
protagonistas, porque o que está mesmo em causa é o que foi construído ao longo
das últimas décadas e o que foi conseguido no campo desportivo. O que está em
causa é o Benfica e a força institucional que tem na sociedade portuguesa e no
mundo.
É lamentável constatar a adesão de alguns
benfiquistas a esse impulso de que “os
fins justificam todos os meios”, incorporando o argumentário alheio e
exercitando uma alegada autoridade moral sem nexo com o seu perfil e com a
atuação.
Agora que parte da justiça deposita parte
do Estado de Direito Democrático nas mãos de um pirata informático, a quem
alguns media dão guarida com “achismos” e outros vasculhos, ninguém
acha estranho que os impulsos justicialistas não tenham suscitado o altruísta
furto equitativo da correspondência de 10 anos dos três grandes?
Claro que não, era pedir demais ao
sistema paralelo que agentes do sistema judicial parecem querer validar e
incorporar no Estado de Direito Democrático.
Foi só o Benfica. Os fins justificam
todos os meios, até ter o mesmo advogado do impoluto Michel Platini, apeado da
UEFA por suspeitas de corrupção, e outras excentricidades.
Há muito que defendo e procuro praticar
uma ética além do estabelecido na República, mas em Portugal, nada é
valorizado. Nem a ética da República vertida na lei, nem as visões mais
exigentes desse sentido de ética republicana. Por exemplo, como Governador
Civil de Lisboa, tendo residência nas Caldas e estando a viver na casa de um
familiar em Lisboa, prescindi de um subsídio mensal de cerca de 500 euros a que
tinha direito. Fi-lo por uma questão de acréscimo de exigência ética.
Uma sociedade que se conformou com tanta
coisa que se passa e passou, com promiscuidades, distorções e entorses, não
pode querer despertar para a vida só porque é Luís Filipe Vieira e o Benfica.
São importantes, mas não são o centro do mundo.
E a ética não pode ser brandida só quando
dá jeito, logo por quem tem telhados de vidro, por ação e por omissão. Há muito
que a parcialidade, discriminação e populismo em relação ao Sport Lisboa e
Benfica se projetou para o domínio do assalto ao acervo construído, que é da
órbita dos sócios, das Casas do Benfica e das estruturas da instituição.
Quanto à ética se é para ser, que seja
para todos e em todos os momentos, sem alegados moralistas com reiteradas
marquises e telhados de vidro.
AS CURVAS
DA COERÊNCIA
(Título de Gil Vicente)
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