Hoje vou falar-te de mim. Daquilo que palro depois de convenientemente
aparvalhada nas manicuras e nos poses de arrozes; daquilo que tento escrevinhar
na minha abobalhada genética ou manufacturada pelos cacetes de uma certa
milícia bem treinada.
Sim, meu Caro Benfica, gosto de levar sovada a esmo, sem dó e nenhuma
piedade, gosto de ser apatanhada, gosto de levar paulada mesmo com aqueles
penduras por onde faço ouvir a minha palrada.
Gosto tanto, meu Caro Benfica, que até adoro ser abalroado por condutores
da pinga ou acocorados às ordens do arguido, uma forma diferente e mais
sofisticada de lhe agachar a frente espumosa de raiva e ódio, tal como o vulgar
suspeito quando é detido e se esconde dobrando a espinha.
Quanto mais fubeca apanho na carranca, mais eu sublimo a corrupção
desportiva! Andar de cócoras é um presente e um ornamento. Gosto de ser um
detergente emporcalhado, não porque a sujeira limpe, por mais branqueamento que
tente! E gosto de abanar minha cauda em festinhas salivares, assim evitando
mais pontapé no quadril.
Não te apoquentes, meu Caro Benfica, eu sou uma fêmea de amores atolambados,
tal aquela fêmea em que o cio assume a cantata: “quanto mais me bates, mais
gosto de ti”. Chamam-me louca, está-se a ver, mas que queres?! A loucura
tornou-se a minha substância nestes últimos 30 anos! Foi à custa de cacete, de
cornada, de pistolada, de compulsão verbal, mesmo de ser treinada em para-choques
de tresloucados?!
Em parte, só em parte, meu Caro Benfica! A minha maior dose de substância
corpórea é canina, vem da minha génese, da elasticidade da minha espinha, do
meu acocorar, do meu bifário ser adornado de uma língua esculpida para a
lambedela do meu amo.
Meu Caro Benfica, alguns, os distraídos, chamam-me de comunicação social!
Concedo! Sou daquele social da pilhéria, do bitaite por mim elevado a fina
ironia no meu destrambelhamento louco! Sou daquele social que faz camuflagem da
verdade dos factos que ele, o finório, considera desinteressantes! Sou daquele
social que entorta os factos, as linhas, que esconde actores cujo acto
representativo sai fora da intrujice que me ordenaram ocultar ou eu ocultei por
reverência de “fiel amigo”!
Uma coisa te juro! “Fruta” não sobra p’ra mim, é pitéu demais para meus
pergaminhos adulatórios. Mas me sobra de novo sua tentativa de branqueamento,
que assim me ordenam, o pau ou minha devoção não sacrílega!
Meu Caro Benfica, na minha loucura sou uma afortunada. Posso encomendar
alguns plagiadores e troca-tintas de factos históricos. Por eles, sou capaz até
de exercitar censura. Mas necessito na minha arenga da sua ficção ridiculosa,
tal a de colocar uma imperatriz morta há mais de 50 anos a assinar um decreto abolicionista,
ou a de sentenciar grotescamente que as manifestações de rua acabam sempre em
ditadura, esquecendo desrespeitosamente seu progenitor que andou de microfone
em punho na manifestação mais grandiosa do século passado, ou seja, na da manhã
do 25 de Abril de 1974.
A minha pilhéria, digo-te e não me censures o autoelogio bacoco, encena-se ainda
num palratório sobre o maior goleador da selecção. É claro que só os loucos, na
sua sanidade esquizoide, iam falar da percentagem de golos por jogo. O que
importa é lambuzar-me com os 43 golos contra os 41. Que importa à minha loucura,
diz-me, meu Caro Benfica, que aqueles 43 golos tenham sido obtidos em 106 partidas
de futebol e os 41 em apenas 60, ou seja e para que me compreendas, em apenas
praticamente metade de jogos realizados pelo seu autor?
Volto a repetir-te, não te esqueças! A minha loucura é a razão proporcional
da minha felicidade. Sem ela, quem seria feliz? Nem eu e os meus fantoches, que
dela gozamos, nem o imenso povo sábio que gosta sempre de ter um adorno de
charlatanice como só eu sei proporcionar-lhe!
Então não é um gozo para mentes pacóvias ter a palrar em meus aposentos um
Prata de latão magicando-se jurado no escabrear da minha esquipática sanidade?
Mas não é tudo. Há por aí, numa de minhas assoalhadas, um encarapinhado
capilar que sentencia: «a doutrina do “olho
por olho, dente por dente”, é muito perigooooosa!!!»
Queres agora flagelar-me, meu Caro Benfica, dizendo-me que, afinal, o
perigo vem da reacção e a meiguice assenta pouso na acção?!
Ora, para que te atormentas em afiançar a minha entranhada hipocrisia?!
Eu sou uma louca, já te disse, que mais podes esperar de minha pilhérica
vivência?!
A mim me consola tua atenção, a atenção que prestas a charlatães tão como
eu!
Essa do meu encarapinhado consulente pensar que é anjo quem age e demónio
quem reage só serve para enfeite do bobo!
Também te zangas, meu Caro Benfica, só porque usámos e abusámos da nossa
louca distorção dos factos e do nosso obsceno encobrimento dos socos nas
costas, à traição que é o ADN do covarde traidor, bem como das mesuras de
punhos de celerados de costas quentes pela milícia, em frente do rosto de
pessoas de bem?
Lá aquela de estar bem “dentro do caixão”, desculpa lá, meu Caro Benfica,
não foi descuido nosso. Repara, não é só o facto de me terem partido vários
microfones nos costados e que agora me fazem falta! É que eu, em minha loucura aprazerada,
sou apenas uma caveira, bem o sabes! Uma caveira acocorada, lambe-botas, de
cauda descaída por vezes, a abanar em outras tantas, de orelhas alevantadas ou
dependuradas, tudo depende do humor do amo e de minha traquinice.
Ora pois! Caveira e caixão … fica tudo em família! Como podes, então,
estranhar?!
Como foste e vais vendo, meu Caro Benfica, em todo o ponto de minha ranzinza
gosto de estar em contacto com a cloaca dos vícios da podridão e da
conspurcação da verdade desportiva. Claro que não iria revelar as torpezas e
infâmias de meus amásios.
Mostrar o meu ridículo? Pois claro! Se estás descontente – e não deves
estar porque eu para ti e para mim não sou mais do que um pária – observa pelo
menos como é bonito e vantajoso ser louca como eu!
Que me importa que os homens bons, os Benfiquistas, costumem ferir a minha
reputação?
Eu sei muito bem, na minha loucura, que o meu nome soa mal aos ouvidos das
pessoas honestas mas sou a única que, assim sendo, consigo alegrar os mortais,
que a festa da minha bobagem só pode provocar, e provoca uma desusada alegria
na minha plebe bacoca.
Meu Caro Benfica, afirmo e reafirmo! Ninguém poderá pintar-me com mais
fidelidade do que eu mesma. Concordo, o Benfiquista nem me escuta nem me vê!
Mas os aduladores da minha bajulação, esses ostentam logo penas de pavão,
levantam a crista e apresentam-me como um modelo absoluto de todas as virtudes
caninas. Aqueles, são gente ingrata, estes, uns perversos velhacos que estimam
a minha loucura.
E eu, nascida no meio desta velhacagem deliciosa, comecei a gozar mal fui
parida, ou por minha progenitora, ou por mor do cacete, do soco, da patada ou
de outros mimos que vós, Benfiquistas, bem conheceis.
Meu Caro Benfica, por fim te digo. Os parasitas, ladrões, proxenetas,
sicários, boçais, estúpidos, falidos, enfim, toda a escória do mundo desportivo
têm, na minha loucura, muito mais imortalidade do que o meu Caríssimo Glorioso!
Mandai a justiça tornar-se Justiça, a verdade cumprir a Verdade e vereis,
enfim, o fim de minha esquizofrénica loucura.
Até, lá, “olho por olho, dente por dente”, apesar de meu encarapinhado
boçal, é a única, mas imensamente poderosa, arma de que dispondes!
Não vos acanheis, meu Caro Benfica!
PS: Texto influenciado pela obra imortal de Erasmo de Roterdão, in "O Elogio da Loucura".